sábado, 26 de novembro de 2011

Apego e Libertação


Acautela-te a respeito de qualquer tipo de apego. Aprende a despojar-te de tudo quanto pese negativamente na tua economia espiritual.

Existem valores que têm o significado que lhes atribuis, não passando de carga demasiado pesada para ser conduzida.


Da mesma forma, sentimentos perturbadores e paixões dissolventes que te preenchem os espaços emocionais, aturdindo-te e impossibilitando-te o crescimento interior, vigem enquanto são sustentados pela mente em desalinho. Se forem considerados como peso injustificável, logo se diluem cedendo campo a idéias felizes e a aspirações libertadoras.


Nestes dias de exagerada cultura física, em que homens e mulheres entregam-se ao desenvolvimento das formas em disputa pelos campeonatos de beleza, conforme os vigentes padrões estabelecidos, muitos tormentos emocionais são acrescentados ao comportamento pessoal, desviando-lhes o pensamento e o interesse pela aquisição de significados existenciais profundos.


A forma exterior sempre está sujeita às alterações do processo transformador imposto pelas células no transcurso do tempo.


Cirurgias corretoras e implantes, ginástica modeladora e anabolizantes, dietas rigorosas e técnicas de rejuvenescimento, embora postergando por breve tempo o fenômeno do desgaste orgânico e da aparência, não conseguem impedi-lo, às vezes, criando situações mais aflitivas em razão da ansiedade e do estresse que produzem.


O corpo físico é máquina sublime que a Divindade empresta ao Espírito, que a organiza conforme as necessidades de evolução, a fim de desenvolver os preciosos recursos morais que lhe dormem no imo. Beleza ou feiúra, saúde ou enfermidade, inteligência ou idiotia, são decorrências naturais das conquistas e prejuízos conseguidos nas experiências anteriores, ensejando reparação ou aprimoramento interior, a fim de que a vida estue em plenitude.


Sendo o planeta terrestre uma escola de bênçãos, tudo quanto oferece é transitório nas suas expressões materiais, de modo que se possam transformar em tesouros imperecíveis que acompanharão o seu possuidor para sempre.

A ânsia, porém, que domina as criaturas humanas, em favor da posse, do destaque político ou social, religioso ou artístico, científico ou cultural, estético ou
afetivo, responde por verdadeiros desastres interiores, que se apresentam como depressões, agressividade, violência, lutas contínuas, homicídios e suicídios lamentáveis.

Fossem consideradas essas ambições de maneira tranqüila, como sendo recursos utilizáveis quando oportuno, direcionando-as para metas verdadeiras e valeria o esforço envidado.


Nada obstante, em face da impermanência de que se constituem, envolvem o ser humano em uma sofreguidão que o alucina, empurrando-o, de maneira devastadora, a querer mais, a permanecer inviolado, perene conquistador... Apesar disso, a sucessão inevitável dos acontecimentos apresenta sempre os que os substituirão, aqueles que alcançarão o pódio deixando-os no esquecimento, na sombra...

 *
 Inicia a tua experiência de despojamento abrindo mão de disputas inúteis, muitas vezes, mesquinhas, que arrastam multidões a incessantes disparates. Com esta atitude emocional superarás questiúnculas e desafios infantis, caprichos e sentimentos de mágoas, de inferioridade ou de superioridade, aos quais te aprisionas por orgulho ou presunção, descobrindo a felicidade de viver com equilíbrio.

Logo depois, revisa armários e depósitos, onde acumulas tudo quanto não te serve no momento, de modo que retires os excessos que aguardam ocasião para serem utilizáveis, passando-os a outros que têm necessidades imediatas. Roupas, calçados e objetos acumulados, além de tomarem precioso espaço, amontoam poeira e perdem-se no turbilhão do esquecimento.


Há muita coisa que parece importante somente em decorrência do apego a que se lhe aferram os indivíduos, transformando-se-lhes em escravos espontâneos. Iludem-se, esperando que, em algum dia, poderá ser aproveitada até dar-se conta da sua ilusão.


Oferece imediatamente os medicamentos que irão perder a validade, mas que permanecem nos móveis, esperando a chegada da enfermidade para serem usados, quando existem pessoas doentes que os não podem adquirir, às quais, serão de imediata utilidade. Quase sempre, quando as doenças se te apresentam e buscas o atendimento médico, recebes orientação terapêutica diferente, sem que te possas aproveitar dos remédios guardados ou sequer lembrados no momento da aflição.

Assim agindo, com segurança irás aprendendo a doar os pertences, que são
sempre transitórios, para poder doar-te em favor do próximo.

A existência somente tem sentido profundo quando o indivíduo descobre a arte de auxiliar, tornando-se célula pulsante e valiosa do conjunto social.


A dor do próximo que te espia e a sua miséria que te observa são oportunidades preciosas para o teu aprendizado moral e fraternal, através do qual encontrarás a inevitável presença do serviço.


Desse modo, perceberás melhor que os teus são problemas de pequena monta diante dos inabordáveis desafios que se apresentam para outras pessoas, algumas das quais lutam sem descanso, confiando e mantendo alto padrão de harmonia interior. Outras, no entanto, que não têm a mesma resistência moral, sob tais conjunturas, derrapam no crime e na loucura.


Constatarás, então, que a violência em muitos indivíduos, sempre resultado da ignorância e do abandono a que se encontram atirados, seja de natureza física, econômica ou moral, pode ser minimizada, quando não resolvida, se as pessoas generosas procurarem ajudar aqueles que a padecem, desnorteados ou perseguidos.


Se não podes apagar um incêndio devorador, diminui-lhe a voracidade com pequena porção de água, enquanto não chegam os bombeiros. Fazendo a tua parte, estarás tornando a vida mais digna de ser vivida e o mundo melhor no seu aspecto físico e moral.

Nunca te escuses de contribuir em favor de outrem, considerando sempre que dispões de mais do que podes necessitar.  
*
 Despojando-te de opiniões caprichosas, de conduta vaidosa e infeliz, de objetos e pertences que podes dispensar, descobrirás que o teu corpo transitório será também abandonado quando a desencarnação retirar-te dele.

Com visão fraternal desenvolvida constatarás que alguns dos órgãos que hoje constituem apoio para o teu crescimento espiritual, depois de utilizados e em perfeito estado, quando não mais necessitando deles, poderás doá-los desde já a outros companheiros de jornada que os carecem, a fim de ensejarem continuidade ao processo iluminativo da reencarnação, que te bendirão mesmo ignorando o teu gesto. Não poderão desconhecer que continuam a marcha evolutiva porque alguém deles se recordou, oferecendo-lhes os recursos indispensáveis para a sobrevivência orgânica.
Despojando-te de tudo e oferecendo quanto te seja possível doa também o teu
coração a Jesus, a fim de que Ele insufle-lhe amor e paz para todo o sempre.  

Joanna de Ângelis

 (Página psicografada pelo médium Divaldo P. Franco, no dia 15 de janeiro de 2004, em Miami, Flórida, USA.)

domingo, 20 de novembro de 2011

O Cristão que Voltou



*Conta-se que certo cristão de recuados tempos, após reconhecer a grandeza do Evangelho, tomou-se de profunda ansiedade pela completa integração com o Senhor. Ouvia, seguidas de paz celeste, as preleções dos missionários da Revelação Divina e, embora tropeçasse nos caminhos ásperos da Terra, permanecia em perene contemplação do Céu, repetindo: – Jamais serei como os outros homens, arruinados e falidos na fé! Oh! meu Salvador, suspiro pela eterna união contigo!
*De fato, conquanto não guardasse o fingimento do fariseu, em pronunciando semelhantes palavras, fixava as lutas e fraquezas do próximo, com indisfarçável horror. Assombravam-no os conflitos humanos e as experiências alheias repercutiam-lhe na alma angustiosamente. Não seria razoável refugiar-se na oração e aguardar o encontro divino? Figurava-se-lhe o mundo velho campo lodoso, ao qual era indispensável fugir.
*Concentrado em si mesmo, adotou o isolamento como norma a seguir no trato com os semelhantes. Desligado de todos os interesses do trabalho humano, vivia em prece contínua, na expectativa de absoluta identificação com o Mestre. Se alguma pessoa lhe dirigia a palavra, respondia receoso, utilizando monossílabos apressados. Pesados tributos de sofrimento exigia a vida de bocas levianas e insensatas e, por isso, temia oferecer opiniões e pareceres. Nas assembléias de oração, quase nunca era visto em companhia de outrem. Desviara-se de tudo e de todos na sua sede de Jesus Cristo. À noite, sonhava com a sublime união e, durante o dia, consagrava-se a longos exercícios espirituais, absorvidos na preparação do dia glorioso.
*Nem por isso, contudo, a vida deixava de acenar-lhe ao espírito, convidando-lhe o coração ao esforço ativo. No lar, no templo, na via pública, o mundo chamava-o a pronunciamento em setores diversos. Entretanto, mantinha-se inflexível. Detestava as uniões terrestres, desdenhava os laços afetivos que unem os seres e zombava de todas as realizações planetárias e punha toda a sua esperança na rápida integração com o Salvador.
*Se encontrava companheiros cogitando de serviços políticos, recordava os tiranos e os exploradores da confiança pública, asseverando que semelhantes atividades constituíam um crime. À frente de obrigações administrativas, afirmava que a secura e a dureza caracterizam a atitude dos que dirigem as obras terrenas e, perante os servidores leais em ação, classificava-os à conta de bajuladores e escravos inúteis. Examinando a arte e a beleza, desfazia-se em acusações gratuitas, definindo-as por elemento de exaltação condenável da carne transitória e, observando a ciência, menoscabava-lhe as edificações.
*Unir-se-ia a Jesus, – ponderava sempre – e jamais entraria em acordo com a existência no mundo.
*Se companheiros abnegados lhe pediam colaboração em serviços terrestres, perguntava: – Para quê?
*E acrescentava: – Os felizes são bastante endurecidos para se aproveitarem de meu concurso, e os infelizes bastante desesperados, merecendo, por isso mesmo, a purificação pela dor. Não perturbarei meu trabalho, seguirei ao encontro de meu Senhor.
*E de tal modo viveu apaixonado pela glória do encontro celeste que se retirou, um dia, do corpo, pela influência da morte, revestido de pureza singular. Na leveza das almas tranqüilas, subiu, orgulhoso de sua vitória, para ter com o Senhor e com Ele identificar-se para sempre.
*No esforço de ascensão, passou por velhos desiludidos, mães atormentadas, pais sofredores, jovens sem rumo e espíritos informados de toda sorte... Não lhes deu atenção, todavia. Suspirava por Cristo, pretendia-lhe a convivência para a eternidade. Peregrinou dias e noites, procurando ansiosamente, até que, em dado instante, lhe surgiu aos olhos maravilhados um palácio deslumbrante. Luzes sublimes banhavam-no todo e, lá dentro, harmonias celestes se faziam ouvir em deliciosa surdina.
*O crente ajoelhou-se e chorou de júbilo intenso. Palpitava-lhe descompassado o coração amante. Ia, enfim, concretizar o longo sonho.
*Contudo, antes que se dispusesse a bater junto à portaria resplandecente, apareceu-lhe um anjo, diante do qual se prosterna, extasiado e feliz. Quis falar, mas não pôde. A emoção embargava-lhe a voz; todavia, o mensageiro afagou-lhe a fronte e exclamou compassivo:
*– Jesus compadeceu-se de ti e mandou-me ao teu encontro.
*– Estamos no Reino do Senhor? – inquiriu, afinal, o crente venturoso.
*– Sim, respondeu o emissário angélico, - temos à frente o início de vasta região bem-aventurada do Reino.
*– Posso entrar? – indagou o cristão contente.
*O anjo fixou nele o olhar melancólico e informou:
*– Ainda não meu amigo.
*E ante o interlocutor, profundamente decepcionado, continuou:
*– Realizaste a fiel adoração do Mestre, mas não executaste o trabalho do Pai. Teu coração em verdade palpitou pelo Cristo, entretanto, Jesus não se enfeita de admiradores apaixonados como as árvores que se adornam de orquídeas. Não pede cortejadores para a sua glória e sim espera que todos os seus aprendizes sejam também glorificados. Por isso, em sua passagem pela Terra nunca se afirmou proprietário do mundo ou doador das bênçãos. Antes, atendeu a todos os sublimes deveres do serviço comum e convidou os homens a cumprir os superiores desígnios do nosso Eterno Pai. Não deixou os discípulos diretos, aos quais chamou amigos, na qualidade de flores ornamentais de sua doutrina e sim na categoria de sal da Terra destinado à glorificação do gosto de viver.
*Estabelecera-se longa pausa que o mísero desencarnado não ousou interromper. *O mensageiro, porém, acariciando-o, com bondade, observou ainda:
*– Volta, meu amigo, e completa a realização espiritual! Não procures Jesus como admirador apaixonado, mas inútil... Torna ao plano terrestre, luta, chora, sofre e ajuda no círculo dos outros homens! A dor conferir-te-á dons divinos, o trabalho abrir-te-á portas benditas de elevação, a experiência encher-te-á o caminho de infinita luz e a cooperação entregar-te-á tesouros de valor imortal! Não necessitarás, então, procurar o Senhor, como quem busca um ídolo, porque o Senhor te procurará como amigo fiel! Volta e não temas!
*Nesse momento, algo aconteceu de inesperado e doloroso. Desapareceram o palácio, o anjo e a paisagem de luz... Estranha escuridão pesou no ambiente e, quando o pobre desencarnado tornou a sentir o beijo da luz nos olhos lacrimosos, encontrava-se, no mesmo lar modesto de onde havia saído, ansioso agora por retomar o trabalho da realização divina noutra forma carnal. 

Autor: Irmão X
Extraído do livro “Coletânea do Além”, psicografia de Francisco Cândido Xavier, por Autores Diversos.

sábado, 12 de novembro de 2011

Outro Dia...



Outro dia, vi uma formiga que carregava uma enorme folha.
 
A formiga era pequena e a folha devia ter, no mínimo, dez vezes o tamanho dela.
 
A formiga carregava com sacrifício. Ora a arrastava, ora a tinha sobre a cabeça. Quando o vento batia, a folha tombava, fazendo cair também a formiga.
 
Foram muitos os tropeços, mas nem por isso a formiga desanimou de sua tarefa.
 
Eu a observei e acompanhei, até que chegou próximo de um buraco, que devia ser a porta de sua casa. Foi quando pensei:
 
“Até que enfim ela terminou seu empreendimento”.
 
Ilusão minha.
 
Na verdade,havia apenas terminado uma etapa. A folha
era muito maior do que a boca do buraco, o que fez com que a formiga a deixasse do lado de fora para, então, entrar sozinha.
 
Foi aí que disse a mim mesmo:
 
“Coitada, tanto sacrifício para nada.”
 
Lembrei-me ainda do ditado popular:
 
“Nadou, nadou e morreu na praia.”
 
Mas a pequena formiga me surpreendeu. Do buraco saíram outras formigas, que começaram a cortar a folha em pequenos pedaços. Elas pareciam alegres
na tarefa. Em pouco tempo, a grande folha havia desaparecido, dando lugar
a pequenos pedaços e eles estavam todos dentro do buraco. Imediatamente me peguei pensando em minhas experiências.
 
Quantas vezes, desanimei diante do tamanho das tarefas ou dificuldades?
 
Talvez, se a formiga tivesse olhado para o tamanho da folha, nem mesmo teria começado a carregá-la. Invejei a persistência, a força daquela formiguinha. Naturalmente, transformei minha reflexão em oração e pedi ao Senhor:
 
Que me desse a tenacidade daquela formiga, para “carregar” as dificuldades
do dia-a-dia.
 
Que me desse a perseverança da formiga, para não desanimar diante das quedas
 
Que eu pudesse ter a inteligência, a esperteza dela, para dividir em pedaços o fardo que, às vezes, se apresenta grande demais.
 
Que eu tivesse a humildade para partilhar com os outros o êxito da chegada,
mesmo que o trajeto tivesse sido solitário
 
Pedi ao Senhor a graça de, como aquela formiga, não desistir da caminhada,
mesmo quando os ventos contrários me fazem virar de cabeça para baixo, mesmo quando, pelo tamanho da carga, não consigo ver com nitidez
o caminho a percorrer.
 
A alegria dos filhotes que, provavelmente, esperavam lá dentro pelo alimento, fez aquela formiga esquecer e superar todas as adversidades da estrada.
 
Após meu encontro com aquela formiga, saí mais fortalecido em minha caminhada. Agradeci ao Senhor por ter colocado aquela formiga em meu caminho ou por me ter feito passar pelo caminho dela.


Autor: Ninon Rose Hawryliszyn e Silva

sábado, 5 de novembro de 2011

Conto Simples


Malaquias Furtado, conhecido libertino, reconhecendo enfim que mais valia o dever cumprido às aventuras mundanas, rendeu-se à necessidade imperativa de renovação espiritual, para a reforma da vida. Para isto, confugiu à inspiração do Padre Elias Gomes, famoso cura de almas, imaginando nele o guia ideal.

Recebido cordialmente pelo sacerdote, confessou-lhe as deploráveis experiências em que se emaranhara, obtendo calorosa doutrinação, como vaso imundo em processo de lavagem na tina de água fervente.

Malaquias transformado cumulou-se de juras e promessas, que procurou cumprir com sinceridade e rigor.

Quando a tentação lhe assaltava o espírito honesto, voltava a ajoelhar-se aos pés do mentor, suplicando:
 - Bom amigo, sinto-me perturbado por desejos inferiores... Tenebrosos pensamentos agitam minhalma... que fazer para encontrar o caminho do Céu?

Padre Elias logo respondia, calmo:
- Filho, consagre-se a Deus e olvide Satã. Guarde castidade, cultive humildade, paciência e pobreza. A salvação cabe àqueles que trilham a subida escabrosa da virtude.

O convertido voltava à arena cotidiana e sufocava os reclamos da carne indignada, curtindo provações duras que aos poucos lhe burilavam o espírito.

Trabalhava, servia sem alarde e procurava suportar toda espécie de infortúnio com inexcedível heroísmo.

Eis, porém, novo dia de mais vivas tribulações, e Malaquias regressava ao orientador, exclamando:
- Devotado protetor, tenho sofrido calúnia e ingratidão. A idéia de vingança domina-me. 

Tenho fogo na alma. Que fazer para sustentar-me no roteiro do Paraíso?
O ministro da fé esclarecia, sereno:
- Tenha paciência, meu filho, muita paciência. Para consolidarmos em nós a tranqüilidade, é imperioso perdoar infinitamente. Não nos esqueçamos dos velhos ensinamentos. 

Desculpemo-nos até setenta vezes sete, oremos pelos nossos inimigos e perseguidores... 

Quem ofende, condena-se; quem exerce a tolerância fraterna, exalta-se.

Malaquias aceitava, confiante, as ponderações ouvidas e tornava, confortado, às lides que o Céu lhe reservara.

Devolvia o bem pelo mal e continuava, na condição do discípulo fervoroso, experimentando os conselhos obtidos, disciplinando os seus sentimentos, sorrindo para os algozes, cedendo aos adversários e mantendo inalterável submissão ao que considerava como sendo as imposições divinas.

Ressurgiram, porém, outras ocasiões de conflito para o criterioso aprendiz, e logo se apressava ele em conchegar-se à sabedoria do pastor, clamando, ansiado:
- Meu padre, acho-me fatigado, enfermo, sem rumo certo... Familiares, aos quais prestei assistência e socorro em outros tempos, abandonaram-me sem comiseração pelas minhas fraquezas e sofrimentos. Minha esposa, vendo-me imprestável, receou o sacrifício que a nossa união lhe impunha e aliou-se aos nossos filhos maiores, hoje casados, contra mim... 

Vivo sem ninguém... Por ninharias, antigos credores de minha casa me cercam de ameaças sem termo... Tenho a impressão de que o inferno se instalou dentro de mim. Debalde busco a claridade da oração, e não mais a encontro. Padre, padre, que fazer para não me desviar da estrada celeste?

O guia, na atitude convencional dos grandes inspirados, emitindo a palavra doce e fitando os olhos no céu, respondia, convicto:
- Não se deixe enredar em ciladas e tentações! A fé remove montanhas! quem se sentirá só, depois de encontrar na Humanidade a grande família? Nossos pais e nossos filhos respiram em toda parte. Onde alguém esteja lutando, aí possuímos nosso irmão. Não se perca no desânimo destrutivo. Quem se dirige para Deus não perde os minutos na peregrinação do bem. Se há dificuldades e sofrimentos, a coragem é o sustento do espírito na estrada para o mais alto. Sobretudo, meu filho, não creia na enfermidade. A doença é alguma coisa que depende de nós. A imaginação superexcitada improvisa monstros para o nosso copo, mas a alma robusta na confiança, embora viva de pés na Terra, mantém o coração voltado para o 

Senhor, cada dia servindo mais intensamente na sementeira de luz e de amor. Não se agrilhoe a simples ninharia...

O crente leal contemplava o instrutor, como quem se via agraciado pela presença de um plenipotenciário divino.

Verteu copiosas lágrimas e indagou, por fim:
- E se eu pautar pensamentos e atitudes nessas linhas, encontrarei a passagem para o céu?
- Como não? – falou o sacerdote, complacente e bem-humorado.

E numa definição, espetacular:
- A virtude é divino passaporte para o Paraíso.

Malaquias tornou à luta e aplicou o que aprendera.

Olvidou a moléstia e dedicou-se ao trabalho constante; transformou a solidão sem serviço a todos e, cultivando a oração e a bondade, acabou seus dias, de consciência tranqüila.

Aguardava-o à cabeceira um anjo, que, presto, o arrebatou ao País da Luz.

Participando, agora, do séqüito de santos anônimos, o antigo devoto era raramente lembrado na Terra. Vivera servindo, não obstante as deploráveis experiências do início, e, por isso, de tempo não dispusera para cuidar da propaganda do seu nome. Era, contudo, um dos príncipes mais felizes da Corte Celestial. Não contava tempo, nem era forçado à contemplação das misérias humanas.

Acontece, porém, que um dia se ouviu entre as estrelas um chamado insistente para ele. Vinha do Inferno, diretamente da moradia de Satanás.
Malaquias não se fez rogado.

Solicitou permissão e desceu, desceu, desceu... quando se viu no círculo das trevas infernais, encontrou quem lhe invocava o nome: era justamente o Padre Elias Gomes, que lhe estendia os braços e suplicava:
- Malaquias! Malaquias! Compadeça-te de mim! Ensine-me! Onde encontrarei o Caminho para o Céu?...
 
Paulo Barreto, jornalista, crítico e conferencista, foi membro da Academia Brasileira de Letras e se tornou conhecido pelo pseudônimo de “João do Rio”. É vasta e variada a sua produção literária, sendo inesquecível por suas crônicas e contos, cheios de sutileza e penetração. O conto acima consta do livro “Falando à Terra” , psicografado pelo médium Francisco Candido Xavier.