O devoto feliz experimentava a doce comoção do espetáculo
celeste. Mais que a perspectiva do plano divino, porém, via, extasiado, o
Senhor à frente dele.
Chorava, ébrio de júbilo. Sim, era o Mestre que se erguia,
ali, inundando-lhe o espírito de alegria e de luz.
Sentia-se compensado de todos os tormentos da vida humana.
Esquecera espinhos e pedras, dificuldades e dores.
Não vivia, agora, o instante supremo da realização? Não
esperara, impacientemente, aquele minuto divino? Suspirara, muitos anos, por
repousar na bem-aventurança. Recolhera-se em si próprio, no mundo, aguardando
aquela hora de imortalidade e beleza. Fugira aos homens, renunciara aos mais singelos
prazeres, distanciara-se das contradições da existência terrestre, afastara-se
de todos os companheiros de humanidade, que se mantinham possuídos pela ilusão
ou pelo mal. Assombrado com as perturbações sociais de seu tempo e receoso de
complicar-se, no domínio das responsabilidades, asilara-se no místico santuário
da adoração e aguardara o Senhor que resplandecia glorificado, ali diante dos
seus olhos.
Jesus aproximou-se e saudou-o.
Oh! semelhante manifestação de carinho embriagava-o de
ventura. Sentia-se mais poderoso e mais feliz que todos os príncipes do mundo,
reunidos!...
O Divino Mestre sorriu e perguntou-lhe:
– Dize-me, discípulo querido, onde puseste os ensinamentos
que te dei?
O crente levou a destra ao tórax opresso de alegria e
respondeu:
– No coração.
– Onde guardaste – tornou o Amigo Sublime – minhas
continuadas bênçãos de paz e misericórdia?
– No coração – retrucou o interpelado.
– E as luzes que acendi, em torno de teus passos?
– Tenho-as no coração – repetiu o devoto, possuído de
intenso júbilo.
O Mestre silenciou por instantes e indagou novamente:
– E os dons que te ministrei?
– Permanecem comigo – informou o aprendiz –, no recôndito da
alma.
Silenciou o Cristo e, depois de longo intervalo, inquiriu,
ainda:
– Ouve! onde arquivaste a fé, as dádivas, as oportunidades
de santificação, as esperanças e os bens infinitos que te foram entregues em
meu nome?
Reafirmou o discípulo, reverente e humilde:
– Depositei-os no coração, Senhor!...
A essa altura, interrompeu-se o diálogo comovente. Jesus
calou-se num véu de melancolia sublime, que lhe transparecia do rosto.
O devoto perdeu a expressão de beatitude inicial e,
reparando que o Mestre se mantinha em silêncio, indagou:
– Benfeitor Divino, poderei doravante abrigar-me na paz
inalterável de tua graça? Já que fiz o depósito sagrado de tuas bênçãos em meu
coração, gozarei o descanso eterno em teu jardim de infinito amor?
O Mestre meneou tristemente a cabeça e redargüiu:
– Ainda não!... O trabalho é a única ferramenta que pode
construir o palácio do repouso legítimo. Por enquanto, serias aqui um poço
admirável e valioso pelo conteúdo, mas incomunicável e inútil... Volta, pois, à
Terra! Convive com os bons e os maus, justos e injustos, ignorantes e sábios,
ricos e pobres, distribuindo os bens que represaste! Regressa, meu amigo,
regressa ao mundo de onde vieste e passa todos os tesouros que guardaste no
santuário do coração para a oficina de tuas mãos!...
Nesse momento, o devoto, em lágrimas, notou que o Senhor se
lhe subtraía ao olhar angustiado.
Antes, porém, observou que o Cristo, embora estivesse
totalmente nimbado de intensa luz, trazia nas mãos formosas e compassivas os
profundos sinais dos cravos da cruz.
Irmão X, Do livro: Pontos e Contos, Médium: Francisco Cândido Xavier