sexta-feira, 7 de outubro de 2011

O Poder da Gentileza


Eminente professor negro, interessado em fundar uma escola num bairro pobre, onde centenas de crianças desamparadas cresciam sem o benefício das letras, foi recebido pelo prefeito da cidade que lhe disse imperativamente, depois de ouvir-lhe o plano:

— A lei e a bondade nem sempre podem estar juntas. Organize uma casa e autorizaremos a providência.


— Mas, doutor, não dispomos de recursos... — considerou o benfeitor dos meninos desprote­gidos.


— Que fazer?                                                                      


— De qualquer modo, cabe-nos amparar os pequenos analfabetos.


O prefeito reparou-lhe demoradamente a fi­gura humilde, fez um riso escarninho e acres­centou:


— O senhor não pode intervir na adminis­tração.


O professor, muito triste, retirou-se e passou a tarde e a noite daquele sábado, pensando, pen­sando...


Domingo, muito cedo, saiu a passear, sob as grandes árvores, na direção de antigo mercado.


Ia comentando, na oração silenciosa:

— Meu Deus, como agir? Não receberemos um pouso para as criancinhas, Senhor?

Absorvido na meditação, atingiu o mercado e entrou.


O movimento era enorme. Muitas compras. Muita gente.


Certa senhora, de apresentação distinta, aproximou-se dele e tomando-o por servidor vul­gar, de mãos desocupadas e cabeça vazia, exclamou:

— Meu velho, venha cá.

O professor acompanhou-a, sem vacilar.


À frente dum saco enorme, em que se amon­toavam mais de trinta quilos de verdura, a ma­trona recomendou:

 — Traga-me esta encomenda.


Colocou ele o fardo às costas e seguiu-a. Caminharam seguramente uns quinhentos metros e penetraram elegante vivenda, onde a senhora voltou a solicitar:

— Tenho visitas hoje. Poderá ajudar-me no serviço geral?
— Perfeitamente — respondeu o interpe­lado —, dê suas ordens.

Ela indicou pequeno pátio e determinou-lhe a preparação de meio metro de lenha para o fogão.


Empunhando o machado, o educador, com esforço, rachou algumas toras. Findo o serviço, foi chamado para retificar a chaminé. Consertou-a com sacrifício da própria roupa. Sujo de pó escuro, da cabeça aos pés, recebeu ordem de buscar um peru assado, à distância de dois quilômetros. Pôs-se a caminho, trazendo o gran­de prato em pouco tempo. Logo após, atirou-se à limpeza de extenso recinto em que se efetuaria lauto almoço.


Nas primeiras horas da tarde, sete pessoas davam entrada no fidalgo domicílio. Entre elas, relacionava-se o prefeito que anotou a presença do visitante da véspera, apresentado ao seu gabinete por autoridades respeitáveis. Reserva­damente, indagou da irmã, que era a dona da casa, quanto ao novo conhecimento, conversando ambos em surdina.


Ao fim do dia, a matrona distinta e auto­ritária, com visível desapontamento, veio ao servo improvisado e pediu o preço dos trabalhos.


— Não pense nisto — respondeu com sin­ceridade —, tive muito prazer em ser-lhe útil.


No dia imediato, contudo, a dama da véspera procurou-o, na casa modesta em que se hospedava e, depois de rogar-lhe desculpas, anunciou-lhe a concessão de amplo edifício, destinado à escola que pretendia estabelecer. As crianças usariam o patrimônio à vontade e o prefeito autorizaria a providência com satisfação.


Deixando transparecer nos olhos úmidos a alegria e o reconhecimento que lhe reinavam n´alma, o professor agradeceu e beijou-lhe as mãos, respeitoso.


A bondade dele vencera os impedimentos legais.

O exemplo é mais vigoroso que a argu­mentação.

A gentileza está revestida, em toda parte, de glorioso poder.


Neio Lúcio
 
Extraído do livro Alvorada Cristã, cap. 15, obra psicografada por Francisco Cândido Xavier e publicada pela Editora da FEB.