domingo, 10 de novembro de 2013

Dois meses antes



Grande confeitaria paulista, ao anoitecer. Clientela numerosa.
 
Quando Olavo Dias, denodado trabalhador da seara espírita, se aproxima do caixa para efetuar o pagamento de certa compra, surge a atordoada:
 
– Ladrão! Ladrão! Pega o ladrão! Pega! Pega!
 
Alia-se um guarda a robusto balconista e agarra pobre homem, extremamente mal vestido, que treme ao apresentar grande pacote nas mãos.
 
– Ele roubou de um freguês – grita o caixeiro, como que triunfante ao guardar a presa.
 
Quase todos os rostos se voltam para o infeliz.
 
O policial apresta-se para as providências que o caso lhe sugere, mas Olavo Dias avança e toma a defesa.
 
– Não é um ladrão – explica – e não admito qualquer violência.
 
E no propósito de ajudá-lo, Olavo mente, afirmando:
 
– É meu empregado e, decerto, retirou o pacote julgando que me pertencesse.
 
Enérgico, toma o embrulho, devolve-o ao gerente, pede desculpas pelo engano e afasta-se com o desconhecido, dando-lhe o braço, como se o fizesse a um parente, diante dos circunstantes perplexos.
 
Dobrando, porém, a primeira esquina, dirige-lhe a palavra, admoestando:
 
– Ora essa, meu caro! Sou espírita e um espírita não deve mentir. Entretanto, fui obrigado a isso para defendê-lo.
 
O interpelado mergulha a fronte nas mãos ossudas e explica em lágrimas:
 
– Doutor, roubei porque tenho seis filhos com fome... Sou doente do peito... Não acho serviço...
 
– Bem, bem – falou Olavo, comovido –, não estou aqui para fazê-lo chorar.
 
Condoído, abriu a bolsa, deu-lhe o concurso possível e perguntou-lhe pelo endereço.
 
O infeliz declarou chamar-se Noel de Souza, deu os nomes da esposa e dos filhos e informou residir nas proximidades da Vila Maria, em modesto barracão.
 
O benfeitor, realmente sensibilizado, prometeu visitá-lo na primeira oportunidade, e, finda uma semana, ei-lo de automóvel a procurar pela casinha distante.
 
Depois de algum esforço, localizou-a.
 
Encontrou a senhora Souza e os seis filhinhos esquálidos, mas o dono da casa não estava.
 
Saíra para angariar socorro médico.
 
Olavo, tocado de compaixão, fez quanto pôde pela família sofredora e, ao despedir-se, ouviu a dona da casa dizer-lhe sob forte emoção:
 
– Um dia, se Deus quiser, Noel há de retribuir o senhor por tudo o que está fazendo...
Precisando deixar S. Paulo, em função da vida comercial, Olavo recomendou os novos protegidos a diversos companheiros, e esqueceu a ocorrência. 
II 
Decorridos seis meses, Olavo, certo dia, chega apressado ao aeroporto de grande cidade brasileira.
Precisava viajar urgentemente, mas não tem passagem. Arriscar-se-á, no entanto, à aquisição de última hora.
 
Retendo pequena pasta, procura na multidão um amigo que o precedera, minutos antes, com o fim de ajudá-lo, até que o vê a pequena distância, acenando-lhe a que se apresse.
O problema está resolvido. Basta que apresente a documentação necessária.
 
Avança, presto, mas alguém cruza o caminho. Sente-se abraçado numa explosão de ternura.
 
Olavo tenta quebrar o impedimento afetivo, mas reconhece Noel de Souza e estaca, surpreendido.
 
– Você... aqui?
 
O amigo está humildemente trajado, mas limpo e alegre.
 
– Sim, doutor, preciso vê-lo – confirma o interlocutor.
 
– Agora, não – falou Olavo, contrafeito.
 
Como se não lhe anotasse o azedume, o outro tomou-lhe o braço e arrasta-o docemente para fora do raio de visão do companheiro que o espera.
 
– Souza, não me detenha, não me detenha... – roga Olavo, inquieto.
 
– Escute, doutor, preciso agradecer-lhe...
 
E como se não lhe pudesse escapar da mão, Olavo escuta-lhe a fala entediado e impaciente. Noel refere-se à esposa e aos filhos e repete frases de gratidão e carinho.
 
Depois de alguns instantes, Dias, revoltado, desvencilha-se e abandona-o sem dizer palavra. Alcança o amigo, mas é tarde.
 
O avião não pudera esperar.
 
Acabrunhado, vê, de longe, o aparelho de portas cerradas, na decolagem.
 
Bastante desapontado, busca Noel de Souza para ouvi-lo com mais atenção, já que perdera a viagem. 

Entretanto, por mais minuciosa a procura, não mais o encontra.
 
Daí a quatro horas, recebe trágica notícia.
 
O aparelho em que disputara lugar caíra de grande altura, sem deixar sobreviventes.
 
Intrigado, regressa a S. Paulo e corre a visitar a choupana de Noel. Quer vê-lo, abraçá-lo, comentar o acontecimento. Mas, no lar modesto de Vila Maria, veio a saber que Souza desencarnara dois meses antes.
 
Do cap. 21 do livro Almas em Desfile, de Hilário Silva, psicografado pelos médiuns Waldo Vieira e Francisco Cândido Xavier.


sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Um Conto Espírita - Texto Mediúnico




Era sexta-feira ao entardecer e o menino já observava a mãe preparar a difícil jornada que, como de hábito, fariam.

A casa simples, de taipa. Localizada naquele sertão de Dois Córregos, à beira de um morro, equilibrava-se na pequena planície de onde já se arribançava um declive. Eram dois quartos e a grande cozinha, casa à maneira da época; naquela hora o fogão de lenha já resfolegava, aquecendo a todos que ali iam chegando de suas tarefas. Eram onze irmãos.

 Luiz não se sentia confortável, pressentindo o que estava por vir... Aquelas idas às reuniões lhe davam calafrios só de pensar! Como seria daquela vez? Aconteceria algo que lhe daria muito medo? As dúvidas eram muitas, mas pouco adiantavam nesta hora; sem palavras, a mãe o requisitava: pegava o lampião, o manto e o olhava diretamente. Franzino por conta da febre em que quase desencarnou, era obediência e ativo às requisições da mãe; não havia questionamento possível. Saíram

Chegava escura noite de inverno. Aos poucos, a luz da casa ia se minguando dos olhares roubados para trás e em pouco tempo estavam ambos sob as copas das grandes árvores, rumo àquelas paragens distantes. A trilha era pequena e o lampião fazia uma grande bolha na mata; Dona Ilda, à frente, ia iluminando o caminho esguio e Luiz grudado ao vestido da mãe, sentindo o peso, frio e lúgubre, da escuridão a bater nas costas. 

Aqui ou ali um som chamava a atenção; era a vida da floresta a resvalar em uma folha, num galho, dando pitada tensa à caminhada noturna.

Após o que pareceu uma hora e pouco de caminhada, a trilha começa a ficar mais larga e plana. Aos poucos as árvores vão se distanciando uma das outras e sinais de vila começam a brindar os caminhantes cansados, aliviando Luiz. O Lampião já combina sua luz com outra de alguma fonte muito fraca à frente; uma porteira está aberta, um cão magro e escuro se aproxima preguiçosamente, assinalando definitivamente a chegada ao destino. Num repente, dão de frente para uma pequenina vila. Uma mulher é ajudada a descer um outro acesso pelo barranco ali perto; também chegavam para o mesmo fim. Estavam finalmente no pequeno centro espírita do senhor José Ramalho; era agosto de 1929.

Todos vão chegando e adentrando o recinto. O pequeno barracão era a sala única onde se desenvolviam os trabalhos. Sua estrutura era comum às construções daqueles rincões remotos: quatro grossos mourões faziam os cantos e sustentavam o teto de ripas e telhas artesanais. Paredes de barro, brancas com rodapés de azuis claros e disformes; o chão era de tijolos batidos. Uma janela lateral aberta dava para um escuro longínquo, e Luiz preferia não olhar para lá. Ficava ao lado da mãe, sentado num dos compridos bancos de madeira. Havia crianças, mas prevaleciam as mulheres adultas; alguns homens com o chapéu por sobre os joelhos; um idoso à porta impacientemente se esforçava para ver se alguém mais vinha lá por baixo, por entre as árvores.

São oito e meia e a pesada porta faz seu rangido singular, empurrada pelo mesmo idoso da entrada. Para uma mesa central se dirigem algumas pessoas, que tomam seus lugares. Começarão os trabalhos.
 Luiz está apavorado, pois da última feita viu um homem dizer que via um espírito! Aquilo era simplesmente pavoroso! Então, haveria espíritos ali, e também nos outros lugares? Estava aflito, e começa a rezar em silêncio, pedindo a Deus que o protegesse daquilo.

Senhor Ramalho é o último a sentar-se à mesa. Homem forte, alto, com sorriso discreto, é o único a passar algum sossego a Luiz. De fato, Ramalho refletia serenidade em seu jeito de andar, olhar, falar. Lacônico, quando necessário sempre está disposto a ouvir cada um que chega àquela reunião, como um irmão distante. Dedicado aos estudos dos livros da Codificação Espírita, trouxe àquelas bandas a novidade das reuniões espíritas, praticadas por sua família em Araraquara. Simpático à doutrinação, é ele quem dirigiria os trabalhos dos médiuns. 
  
Todos ficam em silêncio. As lamparinas dos cantos são apagadas uma a uma por alguém e em breve fica aceso apenas um lampião suspenso acima da mesa central. A ansiedade aumenta e aqueles segundos parecem horas a Luiz. Logo, Ramalho começa a orar:

 - Que Deus nos abençoe e ilumine neste momento sagrado. Pedimos à virgem que interceda para que os bons espíritos possam vigiar e aquiecer a nossos intentos cristãos, materializados nesta singela reunião que aqui desenvolvemos. Sabemos de nossa imperfeição, enquanto homens e médiuns, mas damos neste momento o que temos de melhor em nossos corações para que Jesus possa completar este banquete que está por iniciar...
  
Luiz está inquieto, mas as referências a Jesus e Nossa Senhora caem como um manto de calmaria em seu coração. Apesar da insegurança, apega-se àquelas palavras santas e espera os próximos passos da reunião. O senhor continua a falar:

- Vamos ler um trecho do evangelho...
Após a leitura de edificante passagem sobre a vida após a morte e seus meandros para os homens de bem e aos maus homens, o amoroso dirigente comenta o trecho tendo por destino as explanações evangélicas do Espiritismo Cristão. O ambiente transpira a Luiz uma harmonia e um calor peculiares. Apesar da escuridão, pode-se observar muitos dos assistentes orando com as frontes baixas. Uma criança dá um início de choro, mas logo se detém voluntariamente, rendida pelo sono.
Ramalho então acena para os trabalhos propriamente mediúnicos. Levanta-se rapidamente para arrastar a própria cadeira mais para perto da grande mesa e coloca-se em prece, cobrindo a cabeça curvada com suas grandes mãos. O silêncio agora é absoluto e só resta a todos aguardarem as manifestações por virem. 

E então o dirigente, após esfregar uma das mãos à testa, profere:
   
 - Irmã Clarisse, há um amigo triste aí a seu lado, deixe-o falar através de ti!.
    
Luiz ficou aterrado! Como poderia !? Ele não via nada ali e segundo o homem havia algo! Como poderia o Senhor saber sobre o espírito? Os questionamentos inevitáveis, enquanto a imagem do caminho de retorno à casa começava a assombrá-lo... Andar por aquelas trilhas, abraçadas por árvores grandes e esquisitas. 

Certamente, os espíritos logo iriam atrás deles

- Ai amigos! Nem sei o que dizer... – São as primeiras palavras da médium Clarisse, já envolvida pelo Espírito comunicante. Dona Clarisse, de voz doce e meiga, e mesmo dando palavras ao comunicante, enternece a todos com sua manifestação. Mãe ainda na adolescência, perdeu o filho de febre amarela. Filha de pais italianos e fervorosamente católicos, trabalhou arduamente no cultivo do café, juntamente com o marido Onório. Ambos, sem terem mais filhos, dedicaram-se a ajudar parentes e amigos próximos, distribuindo o pouco que juntaram nas décadas em assistência aos que a eles recorriam. Era em seu sítio que estava instalada aquela chopa que servia para as reuniões do centro espírita. Aos sessenta e três anos, dedicava-se com afinco às obrigações do grupo, dando-se à conservação do centro e à tarefa mediúnica com Jesus.
  
- Pode falar-nos, amigo. Aqui estamos para, com amor, ouvi-te! – Diz Ramalho, com voz calma e terna.
   
- Ah! São tantas as dores que tenho passado... As palavras seriam insuficientes! Venho até aqui porque em lugar algum encontrei quem me acudisse! Desde que tudo mudou, estou muito triste, pois não conseguia mais ser ouvido por minha família, falava mas não me ouviam... Aí vieram alguns homens estranhos e me disseram que eu havia morrido! Oh! Como posso ter morrido, se estou vivo!
  
Todos  ficam  tocados  com as palavras do comunicante. Alguns se olham, a comentarem; não falta um ou outro  que  gesticula  desconfiado.  São quase trinta pessoas presentes na assistência. Todos aguardam. O Espírito diz mais algumas coisas, e faz pausa.

– Mas a vida nunca termina, meu  cansado  amigo...    retoma  com voz  calma  Ramalho    Entendemos vosso sofrimento, mas o mesmo se dá por  não  ter  o  conhecimento  de  vosso estado. Livrou-se de vosso corpo, mas és espírito imortal! – conclui.
  
Neste instante, uma voz soa de  outra  direção,  vinda  de  outro médium num canto escuro da mesa:
 – Antônio! Antônio. Sou eu, vossa Flozina!

Dona  Clarisse  mediuniza então o espanto do Espírito comunicante - Mamãe! Mamãe! Oh! Quanto tempo  este  coração  esperou  para  encontrar-te, quanto tempo! Estou te vendo! Falas  comigo! Mas...  como  pode  ser, se    está morta? Ah!  Não  importa...

Mamãe,  um mundo  está  se  abrindo  a minha frente! Como te amo!

 – Antônio meu filho... – continuo  o  novo  Espírito  – Nunca  estive morta, pois a morte não existe; somos vivos para sempre, e agora poderás entender o que houve contigo, nos braços de vossa mãezinha terrestre!

   Oh! Mamãe...  Estou  entendendo...   Entendo agora! Não estou mais  em  meu  corpo...  Morri  naquele dia... Ai Meu Deus! Mas  estou  tão vivo! Oh mamãe! Vamos embora... Vamos com estes moços; quero ser  feliz novamente!  Deus  abençoe!  Obrigado Deus! Obrigado!

Luiz fica emocionado e uma paz  intensa parece enevoar  a  sala. Seu coração parece compreender algo que não pode exprimir em palavras. Alguns a sua frente enxugam lágrimas.

O  Silêncio  retoma  o  ambiente.  A  emoção  transborda  no  coração  de  todos,  entendendo  o  que  se deu  naqueles  instantes.  Uma  senhora muito  emocionada  murmura:  Deus seja louvado! Os médiuns vão pouco a pouco recobrando a consciência. Dona Clarisse  chora,  ainda  envolvida  nos fluidos  do  grande  acontecimento  que participara.

 De repente, vozes atribuladas são ouvidas vindo de fora do salão. A porta principal se abre e um senhor adentra  dirigindo-se  diretamente  a mesa;  fala ao ouvido do Sr. Ramalho.

Este muda a fisionomia e prontamente diz:
– Pode  trazer o  obsediado!

 Um homem, tomado por força desconhecida, atacava  os  seus  amigos  e  familiares com golpes de porrete.
Logo  três  homens  trazem para dentro do salão um robusto senhor curvado. Ele caminha segurado pelos outro homens,  como  que  para  também  não escapar. Ele passa ao lado de Luiz, que fica curioso com o repentino visitante. Pensa  também  no  que  viria  a  ser  um obsedido,  obsedado,  enfim... Aqueles instantes anteriores de angelitude parecem se perder com o repente.

   Coloquemos  o  rapaz  na mesa,  para  que  possamos  doutrinar  obsessor!    Ramalho  toma  decisões rápidas.  Ali  não  havia  preparo  para aquela  situação  no  presente  dia, mas não  poderiam  deixar  um  sofredor  bater à porta de Jesus sem resposta, pensava. Iriam fazer o  trabalho do mestre, e ajudar o irmão sofredor!

O rapaz é posto em uma cadeira, rodeado por outros  três que olham furtivamente para os lados, amedrontados; não eram espíritas, e ali apenas estavam por entenderem como última opção ao amigo em transtorno, naquele sertão. Ramalho, percebendo o inconveniente, diz:  - Meus  irmãos,  rezem  em  vossa religião, pois aqui é mais uma casa de Deus,  e Deus  entenderá vossos  esforços para com o amigo.
Começam então a doutrinação

 – Amigo, esta é uma casa de amor. Sabes porque estás aqui? – Diz Ramalho, já inspirado pelos mentores da casa; percebera que  já não era o homem que  lhe ouvia, e portanto dirigia-se diretamente ao espírito perturbador.

Todos esperam atônitos. No entanto, o homem geme  alguns  grunhidos  indistinguíveis  e  balança  de  um lado a outro; braços caídos à risca do tronco e cabeça baixa.

– Amigo, queremos lhe ajudar – diz Dona Clarisse – em nome de Jesu...

Não  possível  terminar-se  a  frase. Num movimento rápido, o homem levanta-se e com violência desfere um murro na mesa central, que se parte completamente ao meio,  caindo  vigorosamente no  chão. Os médiuns se levantam rapidamente, alguns caem. O homem é imobilizado ao chão, mas  o Pânico  é  geral. 

Luiz  imediatamente  entende que era hora de partir, e à porta corre desesperado, esquecendo-se  da mãe... No  entanto,  o Senhor  guardião  da saída lhe dirige um gesto inusitado, colocando o dedo por sobre os lábios... era para fazer silêncio!? Como podia ser!? Ele estava desesperado e não poderia entender aquilo... Mas a voz vigorosa de Ramalho por fim interrompe a debandada geral, que já neste momento o porteiro não conseguia conter...

– Peço a todos que tomem vossos lugares. Tragam  a mesa menor  para  cá.  Foi  apenas  um  destempero de  nosso  irmão  em  seu  grande  sofrimento!  – Em  instantes, uma nova mesa, menor, está no lugar da antiga, agora amontoada aos pedaços logo ao lado.

Rapidamente, irmãos ajudantes, dona Clarisse e seu marido, alguns voluntários saídos da assistência, ajudam a reorganizar o espaço desvalado  pela  interpérie. Um Jarro com água é trazido e Ramalho dele tira o líquido à caneca, sorvendo a água, de olhos fechados, em goles lentos e profundos... Todos buscam acalmarem-se, enquanto o irmão em perturbação está agora sentado em um caixote, já por própria vontade. 

Seus amigos, falidos pelo ocorrido, já não lhe dão tanta atenção, ajudando a recolher os pedaços da mesa, num canto e outro.

- Meu querido irmão. Temos a certeza que as palavras de Jesus lhe tocarão um mínimo, e não usará de violência para conosco. Neste momento, estamos te amando – Diz Ramalho, enquanto se ajeita em sua cadeira, a volta da nova mesa, oposto ao rapaz. Ele próprio já não dirige olhar ao obsediado, cedendo à certa tristeza que inevitavelmente lhe tomou o ato, mas não deixa de insistir na ajuda.

- Temos certeza que tem algo a dividir conosco.
Neste instante, o embrutecido homem se põem a chorar... Um choro fino e angustiante. Tenta enxugar o rosto e suas mãos grossas, e a pouca mobilidade dos dedos rústicos e inchados, comovem a platéia que atenta-se num absoluto silêncio,  aguardando suas palavras.

  Estou sofrendo. Por favor. Estou sofrendo... – Diz o homem, levantando olhar desconsolado a Ramalho, depois virando lentamente a cabeça à cada médium – Preciso ter minha paz de volta. Me desculpem quebrar tudo. Não tenho vontade às vezes... Mas que ódio sinto...

– Meu querido amigo, vamos lhe ajudar, assim como Jesus vai muito mais! Peço a ti que ore conosco, pode ser? – Imediatamente, o homem sofredor coloca as mãos em atitude de prece, e curva-se sobre as próprias pernas.

Todos se levantam e colocam-se para orar. Luiz ora com fervor como nunca antes, espremendo-se entre as mãos e os olhos. Seus sentimentos se inundaram de confiança ao ver a queda do gigante em lágrimas. Já não temia àquele momento os Espíritos, se eles estão ali mesmo. Sente um amor enorme e uma vontade de abraçar a todos, como se fossem naquela noite, naquele barracão, uma família... Como se aquela oração nunca fosse terminar...

Ao longe, os pássaros cantam à floresta murmurante, e uma luz diáfana encobre o vilarejo, preparando a partida de todos, alimentada por aquele instante onírico de amor e gratidão.

Espíritos da Colônia
Psicografia de Rogério S Temporini
Janeiro de 2012

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Bezerra Opera Uma Ferida Gangrenosa

O menino Walter, hoje um belo jovem, filho de nosso caro confrade João Pereira Lopes, ferira a perna direita com um arame farpado. Nada contara a seus pais. E o machucado agravara-se com ameaça de infecção gangrenosa.

João e Glorinha levaram-no ao medico, que considerou gravíssimo o caso, recomendou-lhes que, além de sua assistência apelassem para o Alto, pois, temia algo desolador...

E foram buscar Mãe Ritinha, que era avó do Walter, sogra do João e mãe de Glorinha.
Mãe Ritinha sentiu a situação. Em prece sentida, apelou para o Espírito Amigo de Bezerra de Menezes, que a Virgem Santíssima permitisse operasse ele seu neto. Bezerra veio por Mãe Ritinha.

Pediu a todos concentração e fé no Amor de Maria Santíssima. Deu um passe ao doente e ficou longo tempo a prensar-lhe a ferida. Daí a instante, sob surpresa dos presentes, um bisturi invisível censurava a ferida tirando-lhe os elementos infecciosos... 

Bezerra partiu, recomendando repouso para o doente e que todos orassem e confiassem na Misericórdia do Amor da Mãe Santíssima. Lágrimas de emoção e alegrias caíam dos olhos de todos.

A graça recebida comovia e surpreendia, alegrava e fazia chorar.

O doente passou bem à noite. O medico o visitou e surpreendera-se com suas melhoras.

Soube do acontecido e também jubilara, visto que era um crente das verdades espíritas.

Dias depois, as melhoras se acentuaram. A ferida foi fechando e a cicatriz, revelando uma operação invisível, uma graça vinda do Alto, por misericórdia da Virgem, através do vero Servidor, Bezerra de Menezes, ficou, opulentando, na perna direita do Walter, o poder da fé, o testemunho da mediunidade gloriosa e da abnegação de Mãe Ritinha.

Livro: Lindos Casos de Bezerra de Menezes – Autor: Ramiro Gama

domingo, 21 de julho de 2013

UM HOMEM NUM LEITO DE HOSPITAL...


 
Estava na rotina de minha vida, trabalhando e vivendo normalmente. Agora estou aqui, nesta cama de hospital, esperando, deitado, a morte iminente.




Tinha tudo, casa, comida e lazer, mas o essencial, escapou-me por inteiro, em poucos momentos da minha existência, lembre-me que tudo era passageiro.

Agora a angústia vem para ficar, e quero minha vida de volta, às vezes me pego a chorar, me remoendo na revolta. Sei que não aproveitei a vida, da forma como gostaria, se pudesse voltar no tempo, até na árvore eu subiria.

Queria fazer tanto e nada fiz, me fingindo de sério e correto, mas acredite, não aproveitar a vida, só te deixa incompleto.

Quero rolar na grama, mergulhar no rio, me sujar na lama, e aceitar o desafio.

Quero ficar com meus pais, curtir a família e a natureza, e agora estou paralisado, preso num leito de tristeza.

Não entendi como a vida é simples, para quem não se prende ao superficial se soubesse o quanto era feliz, quando cultivava meu quintal, e contemplava com naturalidade, o alvorecer matinal.

Agora tudo mudou, e não posso sequer me mexer, apenas movimentos com a boca, eu posso levemente fazer.

Espere, ainda posso falar…
Mexer a boca devagar, quero aproveitar esse momento, e falar de sentimento.
Posso dizer a meus entes queridos, o quanto sempre os amei, pois durante toda a minha vida, o amor eu nunca declarei.
 Sinto-me estranho, estou com frio, e me sentindo leve…

Agora percebo, estou morto, e tive uma existência breve.

Nem sequer pude falar, à minha família o quanto os amei, perdi mais esta oportunidade, algo que, em minha vida, nunca tentei.

Vejo minha vida apenas num segundo, tudo um desperdício, nada foi profundo, agora compreendo claramente como as coisas são, o que vale, de verdade, é a pureza de intenção.

Minha fé foi uma mentira, uma máscara social, devia ter sido eu mesmo, bastava apenas ser natural.

Agora vejo claramente, que a vida não se desperdiça, perdi tudo de mais precioso, mergulhando no fútil e na cobiça.

Deixo, portanto, essa mensagem a você, que ainda está vivo e consciente, não esqueça de valorizar as coisas pequenas, pois a vida é um presente.

Viva e deixe viver…  Sem te preocupares com a aparência, acredite, quando tudo perecer, só lhe resta a consciência.

Valorize as coisas simples, isso sim tem importância, não deseje os prazeres quiméricos,
de quem vive na extravagância, não inveje uma pessoa, que vive na ignorância, mas também não a condene, cultive a tolerância.

Com o avançar da idade, é essencial a humildade. Esqueça a ganância, tudo isso é arrogância.

Deixe de lado a vaidade, e cultive a caridade. Se alguém te agredir, ofereça uma flor, algumas pessoas desconhecem, o benefício que traz o amor.

Assim, construa uma obra que sobreviva, e esteja pautada no bem, para que a semente crença em cada um, agora, e no futuro também.

Autor: Hugo Lapa

sábado, 29 de junho de 2013

O REMÉDIO AMARGO

Uma mulher estava passando por grandes sofrimentos em sua vida. Estava cheia de dívidas, seu marido a abandonou, seus filhos brigaram com ela, e havia o risco de perder a sua casa. Já não aguentava mais aquela situação, e começou a se questionar o motivo de tamanho sofrimento. Pensou em desistir de tudo e tirar sua própria vida.

A noite, em meio a muitas lágrimas derramadas, orou a Deus pedindo que interrompesse tanto sofrimento, pois ela não queria passar por tudo aquilo. Fez uma prece declarando: “Deus, por favor, Não consigo aguentar tanto sofrimento, tantas dificuldades em minha vida. O Senhor é todo poderoso. Suplico que retire este peso dos meus ombros”.

Após a oração, a mulher deitou-se e adormeceu. Começo a sonhar que um anjo vinha em sua presença e lhe dizia as seguintes palavras: “Sou o anjo que Deus enviou para te acudir nesse momento. Por favor venha comigo”.

No sonho, a mulher foi seguindo o anjo e percebeu que ambos iam regressando ao seu próprio passado. Começou a rever várias fases de sua vida, e finalmente parou numa cena em que ela obrigava seu filho a tomar um remédio. O anjo aproximou-se e disse: “A resposta as tuas angústias está dentro de ti. Tu mesmo usou este método para ajudar teus filhos”.

A mulher olhou a cena e viu que, num passado não muito distante, quando seus dois filhos ainda eram crianças, ela os obrigou a tomar um remédio bastante amargo. Um dos seus filhos estava doente, e o médico havia receitado aquele medicamento afirmando que, caso o menino não o tomasse, poderia ficar ainda mais doente. Mas, ao contrário, se ele tomasse a medicação, iria melhorar em pouco tempo. A mãe então levou o remédio para o filho. O menino recusou-se a tomar a medicação, dizendo que o gosto era muito amargo, e que ele não queria sentir aquilo. A mãe então disse que ele deveria tomar de qualquer forma, caso contrário iria castigá-lo severamente. O filho chorou, esperneou, gritou, fez muitas cenas, mas finalmente tomou o medicamento. Alguns dias depois estava curado de sua enfermidade.

O anjo, que acompanhava tudo, perguntou a mulher:

- Você deixaria de dar este medicamento a seu filho por que ele pediu, alegando que não queria sentir o gosto ruim do remédio?

- De jeito nenhum! Respondeu a mãe. Se o medicamento é necessário, e se vai cura-lo, ele precisa tomar, não importa a sua vontade. Pois naquele momento ele era uma criança, e não podia entender o que se passava e a importância da medicação.

O anjo respondeu:

- O mesmo ocorre entre você e Deus. Deus é seu pai ou mãe, e a humanidade inteira são Seus filhos. Os seres humanos são como crianças que não compreendem ainda os benefícios do remédio amargo dos sofrimentos e provações da vida. Da mesma forma que tu obrigas teu filho a tomar uma medicação que é para o bem dele, Deus também nos coloca em circunstâncias que nos são indesejadas, mas que são imprescindíveis para a cura do nosso espírito. Também para ti, os sofrimentos são remédios muito amargos, e te revoltas e te recusas a sentir tamanho dissabor. Procure compreender que, da mesma forma que teu filho precisou do medicamento para se curar, teu espírito precisa atravessar estas tribulações para se purificar.

Autor: Hugo Lapa